Raízes

Entrei na biblioteca hoje e por acaso fui parar de cara na prateleira do Garcia Marquez. Pareceu um sinal do universo… “A solidão é uma coisa ridícula, tome alguns livros e se esqueça”. Continuei trabalhando no meu projeto pro nosso aniversário binário, não sei por que. Há alguns dias não recebo notícias suas, me pareceu conveniente tentar uma aproximação esotérica através das memórias de outras pessoas. Volto pros livros, que acaricio seguindo minha intuição cinematográfica de que livros merecem todo o carinho que podemos oferecer (mesmo os que nos são menos caros). Em meio aos códigos confusos do catálogo, danço deixando meus pés escorregarem silenciosamente sobre o chão liso do santuário. Chego em Rubem Fonseca, as letras coloridas saltam aos meus olhos – um sexto sentido certeiro me possibilitou desvendar os segredos imbricados de como estão ordenados os livros em dezenas de prateleiras, um terceiro olho que tem me guiado de forma acertada. Um, dois, três está bom. Sigo rodopiando, entontecida pelo cheiro de papel velho e novo, esperançando. De João Ubaldo somente um pois ainda andarei alguns quilômetros com estes sete livros pesando a mochila. Mas tudo fazia parte do plano. Não sei quem é o dono desta ideia maluca da qual posso me arrepender mais tarde, mas parece estar cuidando de mim.

O mundo é tão maior que eu. Um passo depois do outro, as memórias afundam mais na sola do meu pé descalço. Sinto a secura do cerrado subindo pelas minhas pernas, dominando meu ventre, drenando o suco fecundo de minhas ideias. Consigo cuspir o gosto amargo do capim empalidecido pela estiagem com alguma dificuldade. Minhas costas e ombros queimam com o atrito violento da mochila pesada. Busco alguma saliva nas profundezas de melancolias úmidas, ainda há muito que andar e minha voz se perde dentro das rachaduras de minha garganta. Minhas veias são caminhos incertos sulcados na terra por onde o infinitamente pequeno se arrasta na lentidão de tardes quentes demais. A maciez das folhas verdes se divisa da dureza do tronco pelas linhas que sempre marcaram meus lábios.

O mundo é tão maior que eu, me sinto fundir ao asfalto. Por mais que ande, pareço lutar contra a inevitabilidade de um destino que está sendo traçado mais rápido do que posso acompanhar. Fico a parte de minha própria vida, margeando decisões que não têm gosto de serem minhas. A sonolência incômoda, a amplitude do cerrado, o fluxo discreto de energia que frui em cada marca de vida neste meu corpo me envolvem um instante. Paro, sedenta, tudo em mim é solo seco e rachadura. As memórias espinhentas, que me maltratam quanto mais bonitas forem, já estão bem enraizadas no alicerce de meu pequeno corpo de veraneio. Pode parecer um preço caro, mas são estas lembranças os novos canais que podem trazer algum líquido de volta à minha vida. De nascença, serei sempre este cerrado maldito a que amo tanto. Mas meu espírito é água que transforma, gotas de todas as coisas que vivi, quedas d’água nos caracóis de minha cabeça.

Leave a comment