Toca o telefone (#tbt)

Os jardins daqui quase me fazem esquecer do calor. Fico hipnotizada observando o jardineiro molhar as plantas, o pé direito apoiado num banco, mão na cintura, ar despreocupado.

“Vocês mudam muito os jardins aqui? Tenho a impressão de que nunca observo os mesmos canteiros.”
“A gente tá trocando porque algumas plantas estão antigas já.”
Antigas? Acho engraçado, para mim planta não tem idade, se parece antiga é porque morreu. Posso estar errada.
“Ah, entendi… De todo jeito, vou indo, acho os jardins muito bonitos.”
“Se você quiser, posso ir fazer o da sua casa.”
Rio da piscadela e respondo sobre o ombro:
“Eu moro em apartamento.”

Hoje de manhã eu quis morrer. Pensei em todas as pessoas para quem eu poderia ligar, a voz embargada de choro e alguns tons mais alta, para dizer: “Eu quero me matar”

Pensei qual seria a reação de cada uma delas e decidi que ninguém merece receber uma ligação destas em plena quarta-feira, 35ºC de suor na linha do cabelo. Analisei minhas olheiras e o inchaço nos meus olhos e resolvi que, se eu quisesse mesmo morrer, eu não devia ligar para ninguém e deixar a ideia para um dia mais fresco. Parece deboche, mas era medo.

Pensando agora, sinto que nesta manhã representei uma comédia. Toalha enrolada na cabeça, comida no fogo, só de calcinha e sutiã por causa do calor. Eu chorava com a música triste enquanto lavava a louça.

Me abaixei para descartar alguma coisa no lixo e, conforme as lágrimas escorriam e eu cantava inconsolável, percebi, de cócoras ao lado do material reciclável, que se eu fosse mesmo me matar, devia me despedir com aquela música. “The bell” – First Aid Kit, um pedido de desculpas, vocês que me amam. Eu tentei, mas tentar não foi o suficiente.

Às vezes eu penso que o auto deboche me protege quando acordo um dia e quero morrer. Se eu me levasse a sério, talvez acontecesse uma tragédia. Neste momento, a diferença entre eu e outras pessoas que quiseram morrer hoje de manhã é que esta vontade é o que me mantém viva. Se cinco horas atrás eu mal podia respirar porque a ansiedade provoca sufoco, agora despejo calmamente todas estas coisas à minha frente, a garganta bem aberta e os olhos clínicos para encarar tudo que estou derramando e consumir quantos goles de ar for possível.

A diferença é que a minha ingenuidade domina o peso da vida em mim, e eu posso ter pensamentos felizes de novo. Posso pensar se meu próximo bicho de pelúcia vai ser um porco ou um hipopótamo, e se ele vai mesmo se chamar Sr Estrelo. Posso ter um rompante de novas ideias para o roteiro que estou escrevendo e refletir, aliviada, que isto é só uma fase, maldita, difícil, solitária, mas é só uma fase. Amanhã posso acordar e querer morrer de novo, e pode ser que esse sentimento demore três dias para me abandonar, mas no fim estarei livre porque lembro que quem me prende no final das contas sou eu mesma. E, neste caso, eu tenho a chave.

3 thoughts on “Toca o telefone (#tbt)

  1. “A ideia do suicídio é um potente meio de conforto: com ela superamos muitas noites más.” *

    …e manhãs também, sr. Nietzsche.

    Acostumei-me a vir aqui nas manhãs: café, cigarro e Manuela.

    Abraço.

    1. Mais frequente que a minha mãe! Haha obrigada pelos comentários, gosto muito de lê-los e saber que você está sempre por aqui. Fazer parte do ritual diário de alguém é serious business

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