Todos os caminhos

Sento numa padaria com Rubem. Peço uma tapioca e um chocolate frio. À minha frente, um homem de semblante triste, mãos entrelaçadas na altura do rosto, ouve um programa religioso no rádio do celular. Isso me incomoda, mas ele parece tão triste.

Tenho vontade de lhe perguntar se está tudo bem e manda-lo desligar o rádio se receber uma afirmativa. Pelo menos a conta está paga, posso partir quando quiser.

A tapioca esfria enquanto escrevo. Finalizo o chocolate e saio a esmo tentando guardar a carteira na mochila. Uma chuva fina me deixa pegajosa, mas não fico incomodada. Abro o livro e leio de forma entrecortada tentando prestar atenção no caminho. Rio para um cachorro, fotografo um flamboyant, atravesso várias ruas até o ponto de ônibus. O cobrador segura meu braço pra que eu não caia com a arrancada. A viagem é breve e abafada – as janelas estão fechadas por causa da chuva.

No caminho para a aula, uma cena de sexo entre o cineasta e Veronika é interrompida pelo som de uma sinfonia. Sigo a música e acabo nas coxias de um teatro. Várias maletas de instrumentos musicais e partituras estão desordenadas pelo chão. Não consigo identificar o que a orquestra está tocando.

Procuro a entrada principal do teatro e, como num filme, atravesso o portal no momento mais intenso e sombrio da peça. Procuro uma cadeira (alguns gatos pingados estão espalhados na plateia) e o som triunfal é interrompido pelo maestro que dá ordens em italiano.

Uma coisa quente e luminosa enche meu peito: todos os caminhos que fiz me trouxeram aqui. Saio do teatro e a chuva e as flores e as pessoas parecem radiantes.

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